Quando este blogue ainda tinha leitores, repetia-se sempre a mesma (ingênua) pergunta: "é você mesmo quem escreve?" Sim, sempre eu. Dificilmente incluo aqui coisas dos outros. Talvez a única exceção tenha sido um trecho de "Limite Branco", romance do Caio Fernando Abreu. A razão para ter publicado este texto neste blogue é a mesma que me traz aqui desta vez, de novo rompendo com a ideia de apresentar apenas coisas próprias: mexeu comigo; e quero compartilhar com vocês.
Trata-se de uma passagem, um capítulo, na verdade, de um conto de Marçal Aquino intitulado "Sete epitáfios para uma dama branca". Chama-se "Epitáfio V". Uma obra-prima. Apresento um pedacinho para adoçar-lhes a boca. E depois segue o link para o arquivo em pdf. É curtinho. Curtam. Leiam. Sintam.
"Terá ela fingido alguma vez que a coisa estava muito boa quando estava apenas morna? Compreendeu o significado da palavra “sacrifício” a tempo? Será que ela se orgulhou de algo de que deveria se envergonhar? Será que se lembrava da primeira vez que viu o mar? Do primeiro beijo? Será que ela se sentiu digna em alguma oportunidade? E suja?"
AQUINO, Marçal. “Sete epitáfios para uma dama branca”. In: O amor e outros objetos pontiagudos. São Paulo: Geração Editorial, 1999. pp.30-32.
4.4.10
22.1.10
Desenlace
No ar, teu perfume,
pelos arredores
- Que belas as flores,
se virdes as flores...
Provar, dos teus lábios,
tão doces sabores
- Que belas as flores,
oh, todas as flores!
Ver nesses teus olhos,
tão cheios de cores
- Que belas as flores,
e quantas as flores!
Teu corpo ofegante,
tão quentes vapores
- Que belas as flores,
não vistes as flores?
Teu nome na noite,
em meio aos rumores
- Que belas as flores,
tão poucas as flores...
A voar um bilhete
pelos corredores
- Que belas as flores,
se todas as flores...
Tão pouco o ciúme
nos interiores
- Que belas as flores,
e nem mesmo as flores.
A estrela cadente,
na trilha das dores
- Que belas as flores,
não culpem as flores.
Ao mar, complacente,
aos seus pescadores
- Que belas as flores
quando não há flores.
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