Mediante estas belas mentiras...

digo sempre o que tenho de verdade.

12.7.11

11 de julho

Hoje meu pai faria 52 anos.
Teria ele então a barba grisalha, o rosto enrugado, a vista precária?
Estaria ainda casado com a minha mãe?
Seríamos grandes amigos ou teríamos rompido o contato por questões políticas, teológicas, familiares?
Pensar nisso tudo me leva às lágrimas. Nunca é fácil imaginar a vida destes dias que nos foram roubados. E talvez eu nem saiba, nem tenha tido a chance de saber direito - nem eu, nem ninguém - quem de fato fora este homem. Meu eterno pai.

Não fui à Flip deste ano. No entanto, acompanhei seus principais eventos e acabei descobrindo o escritor luso valter hugo mãe. Ele esteve na Livraria Cultura, falou das experiências vividas em Paraty, de si mesmo e de seu romance "a máquina de fazer espanhóis", o qual é dedicado a seu pai, que falecera antes dos sessenta anos e, assim, não conhecera a terceira idade.
Pude cumprimentar valter ao final do bate-papo, pedi-lhe um autógrafo e uma foto. Disse-lhe brevemente desta perda que nos une. E ele consolou-me com um abraço e a oferta de sua "máquina de completar vidas".

valter é careca e rechonchudo, e ainda assim um belo homem, de olhos doces e expressões honestas. Um sujeito humilde, engraçado e bom. Fica fácil, portanto, saber por que é tão cativante. É que nos faz muita falta um homem terno em meio a tantos homens de terno.

21.6.11

os olhos encharcados
sem que o choro

o corpo enxurrado
sem que a chuva

a pele enrugada
sem que o tempo

voltei a nadar

4.4.10

Epitáfio V

Quando este blogue ainda tinha leitores, repetia-se sempre a mesma (ingênua) pergunta: "é você mesmo quem escreve?" Sim, sempre eu. Dificilmente incluo aqui coisas dos outros. Talvez a única exceção tenha sido um trecho de "Limite Branco", romance do Caio Fernando Abreu. A razão para ter publicado este texto neste blogue é a mesma que me traz aqui desta vez, de novo rompendo com a ideia de apresentar apenas coisas próprias: mexeu comigo; e quero compartilhar com vocês.

Trata-se de uma passagem, um capítulo, na verdade, de um conto de Marçal Aquino intitulado "Sete epitáfios para uma dama branca". Chama-se "Epitáfio V". Uma obra-prima. Apresento um pedacinho para adoçar-lhes a boca. E depois segue o link para o arquivo em pdf. É curtinho. Curtam. Leiam. Sintam.


"
Terá ela fingido alguma vez que a coisa estava muito boa quando estava apenas morna? Compreendeu o significado da palavra “sacrifício” a tempo? Será que ela se orgulhou de algo de que deveria se envergonhar? Será que se lembrava da primeira vez que viu o mar? Do primeiro beijo? Será que ela se sentiu digna em alguma oportunidade? E suja?"

AQUINO, Marçal. “Sete epitáfios para uma dama branca”. In: O amor e outros objetos pontiagudos. São Paulo: Geração Editorial, 1999. pp.30-32.

22.3.10

A vida é pedra dura
Que a poesia não cura
Mas bate e fura

22.1.10

Desenlace

No ar, teu perfume,
pelos arredores

- Que belas as flores,
se virdes as flores...


Provar, dos teus lábios,
tão doces sabores

- Que belas as flores,
oh, todas as flores!


Ver nesses teus olhos,
tão cheios de cores

- Que belas as flores,
e quantas as flores!


Teu corpo ofegante,
tão quentes vapores

- Que belas as flores,
não vistes as flores?


Teu nome na noite,
em meio aos rumores

- Que belas as flores,
tão poucas as flores...


A voar um bilhete
pelos corredores

- Que belas as flores,
se todas as flores...


Tão pouco o ciúme
nos interiores

- Que belas as flores,
e nem mesmo as flores.


A estrela cadente,
na trilha das dores

- Que belas as flores,
não culpem as flores.


Ao mar, complacente,
aos seus pescadores

- Que belas as flores
quando não há flores.

27.12.09

Early night

You could just give me your eyes
You could just take me by storm
You could just hold me in your arms
You could just wait for the sun to arise

28.11.09

Uma noite - fragmento

(Céu escuro sem nuvens. Ouve-se apenas os semáforos trocando de cor.)

- Vamos para a sua casa.
- ...para a sua.
- Não tenho lugar certo para ficar. Te falei.
- É, falou.
- Então...
- Mas lá em casa tem minha mãe.

(Ela ri.)

- Ainda? Por esta eu não imaginava.
- Como assim?...
- Francamente, um marmanjo desses...
- Vou ignorar.

(Silêncio.)

- Tá. Mas e aí? Pra onde vamos?
- Bem, em casa não dá mesmo.
- Nunca levou uma mina pra casa?
- Não qualquer uma.
- Ah, então eu sou "qualquer uma"?
- Você sabe que não.
- Até você me dizer o contrário agora!
- Para com isso...

(Ele respira fundo. Ela acende um cigarro.)

- Vamos prum motel qualquer, então.
- Tô sem um puto... Te falei.
- É, falou.
- Então...
-Acho melhor deixar quieto.

(Ele pede um trago.)

- Assim? Desse jeito?
- É, ué. Cada um pro seu lado.
- Poxa.
- Nunca aconteceu com você?
- Ô, me dá pelo menos o teu telefone...
- Para você me ligar quando precisar de uma foda?

(Ele ri.)

- Pra dizer que você já pode ir em casa, quando eu tiver morando sozinho.
- Você não merece.
- Por quê?
- Qual é... deixa eu economizar essa.

(Silêncio.)

- Você só queria uma cama pra dormir.
- Escroto!
- E não é isso? Uma cama pra foder e pra dormir?
- Eu só queria, mesmo, precisar de você.
- Me diz de novo o teu nome.
- Tô indo embora.